Verónica González

De Argentina para Portugal

18-06-2021

Verónica González

«A vida é maravilhosa, se não se tem medo dela» 

Charles Chaplin


O meu nome é Verónica González, nasci no dia 30 de outubro de 1978 na cidade de Buenos Aires, Argentina. Filha de pais divorciados, segunda de três irmãs, a nossa infância decorreu entre a família mais próxima e o Colégio de freiras que frequentávamos. A nossa mãe trabalhava muito e ficávamos a guarda da nossa avó materna, mulher rigorosa e de poucas conversas, viúva desde muito cedo.

A história da nossa família é muito diversificada em termos culturais, uma vez que reúne várias culturas. A nossa árvore genealógica tem índios guaranis, ingleses, espanhóis e «portenhos», que é o nome dado às pessoas oriundas de Buenos Aires, capital Argentina. Acontece que, quando eu nasci, os adultos não falavam de certas coisas com as crianças, como por exemplo mortes, divórcios, falta de dinheiro, amores proibidos, desobediência, etc. Por isso era impossível obter-se um único relato familiar que fizesse verdadeiramente sentido, uma vez que quando chegavam a esta parte da história limitavam-se a mudar de conversa.

A minha infância decorreu num ambiente essencialmente feminino, composto por mãe, tias, avó, professoras e freiras. Depois da escola aprendíamos a costurar e a realizar todos os labores domésticos. A minha mãe tinha um segundo trabalho como desenhadora de moda, que desenvolvia em casa aos fins de semana. Elaborava desenhos, costurava, fazia as provas das modelos e até algumas passagens de moda, coisas que eu adorava ver.

Os livros circulavam imenso, a nossa avó lia e uma vez por semana tínhamos autorização para ir buscar um livro do seu guarda-fatos que funcionava como uma biblioteca improvissada. A leitura era a única atividade da nossa família que era completamente livre. A minha cultura geral foi alimentada desde os meus 8 anos através da leitura das revistas "Selecções do Reader's Digest" e da leitura de todos os clássicos da literatura juvenil de Louisa May Alcott e outros. Também recebíamos livros como prenda nas ocasiões especiais.

A minha avó era uma excelente cozinheira e eu adorava ir fazer recados para ela sempre que lhe faltava alguma coisa. Andar na rua sozinha era algo que eu adorava muito mais do que cozinhar.

 Com a entrada no Ensino Secundário a nossa avó deu por concluído o seu labor educativo, deixando-nos encarregues de tratar da casa e das refeições. Com 13 anos de idade recebi uma chave de casa e uma lista de tarefas da minha responsabilidade. Nesse ano aprendi ainda a andar sozinha de autocarro. Aquilo foi um choque, um misto de euforia e terror que rapidamente me passou.

Desde cedo tentei aproveitar essa liberdade ao máximo, participando em tudo o que me aparecia, nomeadamente: voluntariado em ação católica, trabalhos de verão, provas de natação, teatro de rua, feiras e quermesses. Muitas destas atividades eram fortemente reprovadas pela minha família. O que mais gostava de fazer era andar pela cidade de patins em linha na companhia de alguns amigos, atividade que ocupava quase todos os fins de semana.

Os anos 90 foram de muita instabilidade social, política e económica em Argentina. A nossa situação financeira piorou consideravelmente nesses anos, motivo pelo qual comecei a trabalhar para ajudar em casa com 16 anos de idade.

 Quando acabei o ensino secundário a situação económica estava péssima. Não tínhamos muitas escolhas relativamente aos estudos, importava que tivesse uma saída profissional clara. Eu estava desde sempre ligada á infância e decidi inscrever-me no Ensino Superior Bacharel na Cidade de Buenos Aires, obtendo o meu título de Professora de Nível Pré-escolar ao fim de três anos. Durante estes anos participava em todas as manifestações e movimentos de contestação política que houvesse. Buenos Aires reunia estudantes vindos de todos os cantos do país, que lutavam por ver os seus direitos reconhecidos enquanto criticavam de viva voz o clima de corrupção que se vivia na capital.

Ao mesmo tempo, eu trabalhava. Naquela altura tinha conseguido acumular três trabalhos: auxiliar de ação educativa de pré-escolar, animadora de festas infantis ao fim de semana e monitora de viagens estudantis na interrupção letiva.

No verão de 2000, surge uma vaga para o lugar de educadora de infância no Colégio onde trabalho e recebo uma oferta com ordenado inferior ao que recebia como auxiliar e ainda sem direito as contribuições para a reforma (trabalho em negro). De salientar que naquela altura eu já trabalhava nesse regime havia dois anos. Não aceitei, fiquei muitíssimo revoltada e penso que foi isso que precipitou a minha vinda para a Europa.

Em 2020 fiz a mala e parti à aventura para aquilo que os estudantes Sul-Americanos chamamos de «ano sabático. Estive em Espanha a trabalhar, visitei Marrocos e finalmente cheguei a Portugal despois de ter gasto todas as minhas poupanças.

Fiz aquilo que sabia fazer de melhor: trabalhar. Trabalhei na agricultura, no serviço doméstico, na restauração, na jardinagem, na hotelaria e até no Mc Donalds (que quase ninguém sabe porque lá só durei um dia) até conseguir aprender a falar português, língua que nunca tinha falado antes, e ingressar na Escola Superior de Educação do Instituo Politécnico da Guarda (ESEC-IPG) em 2004. Nesse ano tirei ainda a carta de condução, depois de seis longos meses a ouvir o instrutor de condução gritar ao meu ouvido «afaste-se do passeio!», sem coragem para lhe perguntar o que é que significava a expressão «afaste-se».

Devo dizer que o meu percurso profissional deu uma grande reviravolta no momento em que consegui entrar na ESEC-IPG. Tive oportunidade de participar em projetos de desenvolvimento social e comunitário para o Município de Manteigas e para um Associação local. Tirei a Licenciatura em Educação de Infância, integrei a equipa multidisciplinar da Santa Casa da Misericórdia de Belmonte, desenvolvendo atividades lúdicas para crianças e idosos, trabalhei ainda numa Comunidade Terapêutica, desenvolvendo atividades ocupacionais e de reintegração social, dinamizei a Biblioteca Municipal de Belmonte e colaborei em inúmeras atividades culturais. Em 2010 desenvolvi o meu próprio projeto, intitulado Vero Storyteller, dedicado a promoção do livro e da leitra através da narração de histórias, criação de espetáculos e caracterização de personagens.

Entretanto a minha família cresceu, tive três filhos que adoro de duas relações que cedo chegaram ao fim. Apesar disso, ganhei muitas tias e avós portuguesas que são espetaculares. Fiz amigos, participei em diversas formações e tenho andarilhado por aí sempre que possível.

No mesmo ano da minha partida, o meu pai emigrou para os Estados Unidos, triste e desanimado após a falência da empresa de informática que tinha criado 15 anos atrás. Passado cinco anos a minha irmã mais velha mudou-se para Espanha com a sua família, à procura de melhores condições laborais.

Hoje a minha irmã vive em Madrid e as nossas famílias juntam-se sempre que surge oportunidade. O meu pai mora na Flórida, onde trabalha numa empresa de construção. O resto da família continua a viver na Cidade de Buenos Aires. A minha mãe viaja todos os anos para a europa para nos visitar.


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